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Chico Alves. Adeus no Largo da Concórdia.

sábado, abril 30th, 2022

Nasci em 1946, na rua São Leopoldo num tempo em que gente nascia em casa. No bairro do Belém em São Paulo. A poucos metros da cancela dos trens indovindos da Estação Roosevelt. A casinha azul e branca ainda está lá. Os apitos das fábricas não. Nem o armazen do seu Vicente. Nem a algazarra dos operários batendo bola de meia na cancha de paralelepípedos da rua Cajuru, onde meu pai trabalhava na fábrica de tintas CIL que protegiam o Brasil, dos tios João e Américo Marques da Costa. Minha mãe era formada em piano pelo Conservatório Dramático Musical de São Paulo, aluna de Mário de Andrade em  História da Música. Noturnos e valsas de Chopin, chorinhos sapécas de Nazareth. E Tico-tico no fubá, partitura comprada do próprio Zequinha de Abreu. Novelas na rádio América. Comícios no Largo do Belém. Rojões e marchinhas. Presidente Getúlio, Adhemar senador, e Lucas Garcez pra governador – é PTB, é PSP,  juntinhos unidos iremos vencer!  Hugo Borghi levou meu voto infante mas, não a governança da Terra da Garoa – naqueles idos São Paulo garoava… Ugobógui… foi meu primeiro revés político.

Meu pai jogando sueca na sala com seu Vicente, e eis que de repente surge na janela um ladrão de máscara vermelha, na verdade um lenço portando uma…faca. Berros. Assaltante mascarado, sozinho, anunciando-se pela janela, de faca, que tempos!

Depois, Rua Herval. Um prédio, lembrando que prédio é uma coisa, edifício é outra. Primeiro andar, em cima da massa do pastifício do seu Rômulo. De lá lembro só do papai Noël sorrateiro, um trem elétrico Leonel e uma inveja do Nando, meu irmão Luiz Fernando querido, pai dos meus jingles de campanhas publicitárias. Explico. Nando foi o criador da primeira campanha na qual participei ativamente: Seu guarda chuvas tem asas. Cumprindo o briefing, saltamos do  primeiro andar abrimos o guarda chuva e aterrisamos no target, os fundos do seu Rômulo e o recall não foi dos melhores.
 Fratura de clavícula. Almoço de domingo, depois da missa e jornaleiro. Gíbís e palavras cruzadas. Diogo meu pai, minha mãe Antonietta, Nando e eu. Cantina Balila, rua do Gazômetro. Comida boa, farta, garçons amigos, o porteiro mudo, querido Ama Ama, nos recebendo festivamente fardado, um general da Atlântida. Quase em frente, a Fábrica de Balas A Americana, das Balas Futebol, da febre das figurinhas. Felicidade era trocar um album completo, com  Futebolino e tudo, por um licoreiro.

Ás vezes, almoçavamos no apartamento dos meus avós maternos, vigésimo andar do prédio onde ficava o Cine Piratininga, O Maior Cinema do Brasil, na avenida Rangel Pestana, quase em frente a igreja do Senhor Bom Jesus do Brás, pegado ao largo da Concórdia. Vô Antonietta, italiana de Salerno, e vô Luiz Burza, argentino de Rosário, dono da Cartonagem Burza, rua Martim Burchard, ali perto. Nhoque. Saudade. Revistas das minhas tias Odette e Ivone e meu tio Luizinho. O Cruzeiro, vinha de Amigo da Onça, do Pif Paf de Vão Gôgo (Millor Fernandes), de aulas de jiu jitsu ministradas por Hélio Gracie, precursor do vale tudo, hoje o MMA e reportagens sensacionalistas sobre discos voadores. Até hoje espero ansiosamente suas visitas. E Seleções Readers Digest, onde enriqueci o vocabulário com Aurélio Buarque de Holanda e o repertório humorístico com as Piadas de Caserna. Vitrola, Caixinha de agulhas. LPs ainda não. Tangos.

…era, para mi la vida entera,
 como un sol de primavera
 mi esperanza y mi pasión,
 sabía que en el mundo no cabía
 toda la humilde alegría
 de mi pobre corazón…

Era um sábado, e Francisco Alves, o Rei da Voz (novamente a história conta),  que fora contratado pela Rádio Nacional de São Paulo para uma série de shows em praças públicas da capital paulista, realizou a primeira das apresentações no largo da Concórdia no bairro do Brás. Do apartamento de meus avós eu vi a multidão ouvindo O Chico Viola. Lembro dele cantando a Canção da criança, cuja renda, diz tambem a história, era destinada as crianças da Casa de Lazaro, que cuidava de crianças pobres:

Criança feliz, que vive a cantar. Alegre a embalar seu sonho infantil. Oh, meu bom Jesus que a todos conduz, olhai as crianças do nosso Brasil.

Daqui para frente é o que aprendi depois.
 Chico, que não gostava de viajar de avião, estava com uma certa pressa de chegar ao Rio, a fim de se apresentar descansado em seu programa na Rádio Nacional, domingo ao meio-dia, sempre anunciado pomposamente pela locutora Lúcia Helena: “Ao se encontrarem os ponteiros na metade do dia…”. Foi de carona com o violonista Rago até o centro da cidade, pegou seu Buick preto ano 1951 e rumou para o Rio de Janeiro pela via Dutra, recentemente inaugurada.  Rago conta que tentou convencer o cantor a não viajar para o Rio, pois havia um novo show marcado em São Paulo dois dias depois, mas, de acordo com o violonista, Chico Alves era teimoso, e partiu para nunca mais voltar. Na altura de Pindamonhangaba, numa curva, bateu de frente a um caminhão que invadiu a contra mão. Acabou ali a vida do rei da voz.

Dormi no apartamento dos meus avós e jamais vou esquecer da manhã, da gritaria no prédio: Chico Viola morreu!

E da música que tocou no rádio, que me deixou intrigado com a frase que dizia …quanto mais ponho bebida, mas a sombra colorida, aparece em meu olhar…

Hoje eu sei que a letra é do grande Orestes Barbosa e a melodia de A mulher que ficou na taça é de Francisco Alves.

E que sombra colorida não existe. Ou existe?

Chico Alves

http://www.youtube.com/watch?v=kJlGx1bjx_E

A  ilustração acima é do meu querido e saudoso amigo Miécio Caffé que chegou a desenhar para as Balas Americana. Mas não é o autor do Futebolino (o menino símbolo das Balas Futebol).

Album se figurinhas e o Futebolino

Album de figurinhas e o Futebolino

Futebolino, com ilustração de Miécio Caffé

Futebolino, com ilustração de Miécio Caffé

CIL • Companhia Industrial Limitada

Tintas CIL protegem o Brasil

Meu pai. Batia um bolão.

Carteirinha da Cil F.C.

O maior do Brasil

O maior do Brasil

Francisco Alves

Herivelto Martins e David Nasser

Até a lua do Rio,
No céu tranquilo e vazio,
Não inspira mais amor;
O violão desafina
Porque chora em cada esquina
A falta do seu cantor.
Escravo da melodia,
Ele cantando escrevia
O que na alma brotava;
Subindo os degraus da glória,
Ele escreveu a história
Da cidade que adorava.
O Rio foi o seu berço,
O violão foi o terço,
O samba sua oração;
Sambista de um mundo novo,
Da alma simples de um povo
Que samba de pé no chão.
Velho Chico tu recordas
Um violão, cujas cordas
A mão de Deus rebentou;
Porque está faltando agora
A lágrima que o samba chora
Na voz que a chama apagou.

Mais um pouco de Chico Alves:

Foi ela

 Boa noite amor

 Cadeira vazia

Quem há de dizer

Serra da boa esperança

Onde o céu é mais azul

http://www.youtube.com/watch?v=Y7fVUEm82sc

Trecho do último show ao vivo de Francisco Alves no Largo da Concórdia (audio)

http://www.youtube.com/watch?v=9VFEg8fCC2g

Francisco Alves, o rei da Voz – Parte I. Especial da TV Cultura. Cenas de Chico Alves, Carmem Costa, João Dias

Francisco Alves, o rei da Voz – Parte Final. Cenas do povo nas ruas, no dia do enterro de Chico. Depoimentos de João Dias e Elis Regina

Francisco de Morais Alves (19 de agosto de 1898 — 27 de setembro de 1952) 

Quatro amigos e uma saudade imensa.

sexta-feira, junho 26th, 2015

Deixa tocando enquanto voce lê:

Em 1965, Zequinha Marques da Costa, meu primo querido, me apresentou seus grandes amigos, Vinicius de Moraes, Baden Powell e Ciro Monteiro; alguns meses antes de dar início aos ensaios do espetáculo Vinicius Poesia e Canção, realizado no Teatro Municipal de São Paulo, dirigido e produzido por ele, com a presença do poeta e parceiros; que primo, que amigos, que privilégio!


                                                                                             


Tempo Feliz.

P.S.: entre uns uisquinhos, Vinicius, falando de sua admiração pelo cantor e pela pessoa de Ciro Monteiro, contou que Baden havia composto oito músicas para esse LP – eram previstas dez – quando teve de voltar a Paris, onde morava, para uma série de concertos, e Ciro gentilmente completou as dez com duas músicas suas – Alô João  e Toma meu coração, oferecendo autoria a Baden Powell e Vinicius de Moraes.

Assim era Ciro Monteiro, o Formigão, como era carinhosamente chamado, de quem Vinicius falou:

– Uma criatura de qualidades tão raras que eu acho improvável qualquer de seus amigos não se haver dito, num dia de humildade, que gostaria de ser Cyro Monteiro. Pois Cyro, pra lá do cantor e do homem excepcional, é um grande abraço em toda a humanidade.

Ciro Monteiro, por Miécio Caffé

P.S.: Num dos intervalos de Vinicius Poesia e Canção, não lembro porque, papeando com Ciro, mencionei algo ligado a algum político que aprontou alguma, e o Formigão saiu com essa:

– Pois é Edgard, o candidato é aquele cara que fala bonito, tudo aquilo que a gente quer ouvir; quem não cumpre é o eleito!

Sábias palavras.

Quadra de Ases.

sábado, maio 23rd, 2015

Luís Barbosa

Rei da divisão, do molho e da mumunha. Boêmio inveterado, morreu aos vinte e oito anos de idade. Ouça o carinha cantando Na Estrada da Vida, de Wilson Baptista em gravação de 1933, batucando no seu chapéu de palha e acompanhado espetacularmente ao piano por Custódio Mesquita, algo assim como uma tabelinha Pelé e Coutinho:

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Seja Breve, composição de Noel Rosa em dueto com João Petra, gravação de 1933. Custódio Mesquita, pra variar, arrasando no piano.

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Vassourinha

Mário Ramos, genial sambista paulistano, que nos deixou em 1942 aos 19 anos de idade. Garôto sincopado, sua obra se resume em apenas seis discos 78 rpm. Ouça essas duas gravações do varredor da Rádio Record, com o acompanhamento mais que demais do regional de Benedito Lacerda: Vassourinha, uma estrela luminosa e breve.

… e o Juiz Apitou, de Wilson Baptista. Gravação de 1942.

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Volta pra Casa Emíliade Wilson Baptista. Gravação de 1942.

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Contribuí com algumas fotos e pitacos para o curta metragem A Voz e o Vazio; a Vez de Vassourinha, (1998), roteiro e direção de Carlos Adriano “ganhador da Gold Plaque de melhor documentário de curta metragem do 36o. Festival Internacional de Cinema de Chicago (Estados Unidos, 2000) e eleito um dos dez melhores documentários brasileiros sobre música, em votação realizada pelo É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários (Brasil, 2004). Seu roteiro inicial foi premiado no 1o Concurso de Projetos de Curta Metragem e Produção Independente do Ministério da Cultura brasileiro, em 2007″, que infelizmente nunca assisti.

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Cyro Monteiro

Descendente direto de Luiz Barbosa, ao invés do chapéu de palha, caixa de fósforos, assim como Wilson Baptista, de quem foi grande intérprete. Estive diversas vezes com ele em 1965, por ocasião da montagem do espectáculo Vinicius Poesia e Canção, no Teatro Municipal de São Paulo, com direção de meu primo Zequinha Marques da Costa. Cyro, uma das pessoas mais bonitas e bondosas que conheci na vida foi unanimidade entre os artistas como exemplo de ser humano. Grande contador de histórias, bom de papo, num dos intervalos dos ensaios, saímos pra molhar a palavra e no meio da conversa que girava em torno da desfaçatez e do cinismo dos políticos ele sai com essa:

– Edgard, o candidato é um ótimo sujeito, fala tudo que a gente quer ouvir, promete o mundo que a gente quer, quem não cumpre é o eleito!

Tinha pavor de avião, só entrava em caso extremo e sob proteção de São Evilásio… – São Evilásio, Cyro?

– Pois é, santo desconhecido tem maior disponibilidade…

Rio – São Paulo, só no saudoso trem nocturno que batizou de “avião dos covardes”. Na companhia de Aracy de Almeida, a dama da Central, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Braguinha, vararam noites bebendo e cantando no carro restaurante que fechava às onze e meia da noite, mas com uma boa caixinha ia até às tantas. Eu mesmo – que nunca fui covarde, o que me falta é coragem – quando tinha de ir ao Rio, para reuniões de pré-produção da Turma do Balão Mágico, me servia desse expediente.

Ouça o querido Formigão cantando Quatro loucos num Samba do LP Senhor Samba, lançado pela CBS. 1961 e leia o texto de contracapa escrito por Vinicius de Moraes.

Clique para ampliar

Quatro loucos num Samba, de Mary Monteiro e Cyro Monteiro, gravação de 1961.

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Falsa Baiana, de Geraldo Pereira. Gravada em 1944.

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João Gilberto

Gênio inimitável, já veio em stereo: voz e violão. Mudou a história da música popular mundial.

João é sambista! Tive a graça de conhece-lo em 1961, nos bastidores do programa Brasil 61 apresentado por Bibi Ferreira, no antigo canal 9, na rua Nestor Pestana em São Paulo. Jamais vou esquecer a maneira gentil como me tratou – eu tinha 15 anos e ele era o meu ídolo. No dia seguinte liguei – apedido dele! pro Lord Palace Hotel onde se hospedava em São Paulo e e ele me ensinou a tocar Um Abraço no Bonfá  por telefone! Conversei com João mais vezes, mas isso é papo para um outro post.

Ouça, pegue o pinho e tente fazer igual, é super fácil!

Pra Que Discutir com Madame, de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida. Gravada ao vivo em  Montreaux, 1990.

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Bolinha de Papel, de Geraldo Pereira. Gravação em 1961.

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Cyro Monteiro por Miécio Caffé

Luiz Barbosa por Miécio Caffé

Vassourinha na capa da revista Carioca em 1935 aos doze anos de idade

Detalhe do meu violão com os autógrafos de Cyro Monteiro e João Gilberto

Inezita Barroso.

segunda-feira, março 9th, 2015

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Inezita, pelo meu querido Miécio Caffé.