Anos oitenta num sebo bem mixo na rua do Ouvidor (hoje seria ombudsman), nem sei se ainda existe, o dono estava sempre cheirando à cebola, acho, na estante de poesia, um exemplar de Chão de Estrelas de Orestes Barbosa, autografado, contendo anotações e comentários minuciosos. Folheei e um pequeno recorte de jornal caiu no chão, anúncio de óbito do poeta com a data escrita à lapis pelo Fábio, amigo de mais de trinta anos. Que Fábio seria esse? Eu não sabia da existência desse livro, mas, do luar da cabrocha e do violão já entendia um bocado; emocionado paguei o seu Cebola – desconfio que ele guardava os tubérculos temperados debaixo do balcão – e fui tomar umas no Lírico me achando um Tinhorão, afinal um Chão de estrelas no centro de São Paulo é coisa pra pesquisador.
O autógrafo é de março e o poeta morreu em agosto de 1966.
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Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros, distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
(Chão de Estrelas. Sylvio Caldas e Orestes Barbosa)
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Ouvi contar, certa noite noite num terreiro, quando a lua em farinheiro peneirava pelo chão…
Nhapopé, dominio público.
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…a lua furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão e tu pisavas nos astros distraída…
Chão de Estrelas, Sylvio Caldas e Orestes Barbosa,
O Oreste sabia das teses diria o Wilson Baptista.
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Chão de Estrelas:
Biografia de Orestes Barbosa: Orestes, repórter, cronista e poeta, por Carlos Didier, Editora Agir.
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