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Maria em Pessoa.

sexta-feira, janeiro 15th, 2016

Na noite terrível, substância natural de todas as noites,

Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,

Relembro, velando em modorra incômoda,

Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.

Relembro, e uma angústia

Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.

O irreparável do meu passado – esse é que é o cadáver!

Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.

Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.

Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,

Na ilusão do espaço e do tempo,

Na falsidade do decorrer.

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;

O que só agora vejo que deveria ter feito,

O que só agora claramente vejo que deveria ter sido –

Isso é que é morto para além de todos os Deuses,

Isso – e foi afinal o melhor de mim – é que nem os Deuses fazem viver…

Se em certa altura

Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;

Se em certo momento

Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;

Se em certa conversa

Tivesse dito as frases que só agora, no meio-sono, elaboro –

Se tudo isso tivesse sido assim,

Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro

Seria insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,

Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;

Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;

Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,

Claras, inevitáveis, naturais,

A conversa fechada concludentemente,

A matéria toda resolvida…

Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.

O que falhei deveras não tem ‘sperança nenhuma

Em sistema metafísico nenhum.

Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,

Mas poderei levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?

Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.

Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca

Como uma verdade de que não partilho,

E lá fora o luar, com a esperança que não tenho, é invisível p’ra mim.

Álvaro de Campos.

Se eu morresse amanhã (Antonio Maria).

Voz:Dircinha Batista

 

Ary Barroso e Trio Los Panchos, conforme Vinicius de Moraes me contou.

quarta-feira, setembro 2nd, 2015

Ouça enquanto eu conto:

Em 1965, após ouvirmos o disco de Angela Maria interpretando suas parcerias com Ary Barroso, Vinicius de Moraes mr contou o seguinte episódio que ele presenciou na companhia de Ary Barroso – o poeta foi o ultimo parceiro do autor da Aquarela do Brasil.

O consagrado Trio los Panchos, reis do bolero, apresentando-se numa boite no Rio de Janeiro, resolve oferecer o samba canção Risque, megasucesso do grande Ary, cantado em ritmo de bolero: “nuestra homenaje al gran compositor brasileño, que nos honra con su presencia!”

Ary, que já estava bem adiantado, levantou-se, irritadíssimo e sem o menor lero lero, botou o rei Congo no congado:

– Não aceito! Risque é um samba canção!

P.S.#1: Os jornais noticiaram que Ruy Castro e Zuza Homem de Mello estão escrevendo sobre o samba canção. Serão, com certeza, dois livros bemvindos a história da nossa grandiosa musica popular.

P.S.#2: A cantora de Risque é Linda Batista e o violino é Fafá Lemos.

Vinicius, Antonio Maria e Ary Barroso

Ary entre Vinicius e um menino grande que tambem gostava de sambas canções.

Antonio Maria e as CPIs.

terça-feira, março 30th, 2010

Fragmento de uma crônica do grande Antonio Maria, publicada em 1963, reeditada no livro Com Voces Antonio Maria, Ed. Paz e Terra, que me trouxe a sensação de que, nos ultimos cinquenta anos, estive andando parado.