Dezessete de novembro, dia em que o Indio de Casaca se despediu da tribo e deixou um Amazonas de musica para a humanidade.
O menino Tuhú sabia que a pipa ia voar alto.
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Diogo, meu pai, chegou a noitinha com o extinto jornal A Gazeta e a triste manchete – Morreu Heitor Villa-Lobos! Eu tinha 13 anos em 1959 e conhecia o Prelúdio, da Bachiana nº4 , que minha mãe Antonietta tocava a transcrição para piano.
Por volta de 1964 havia um programa na rádio Eldorado de São Paulo cujo prefixo era uma música maravilhosa. Sabia que os intérpretes eram o Modern Jazz Quartet, pelo solo de vibrafone de Milt Jackson e o piano de John Lewis, mas e o compositor? Resolvi a questão na Eletroarte, antiga loja de discos na rua Augusta – onde eu costumava esconder os discos de bossa nova, jazz, etc… atrás daqueles que eu imaginava pelos meus favoritos – com a ajuda do Toninho que sabia do meu truque e tambem me apresentava os ultimos lançamentos: era a ária da Bachiana nº 5, de Heitor Villa-Lobos, do LP The Sheriff . Gastei o disco. Villa-Lobos eentrou para sempre na minha seleção brasileira ao lado de Tom Jobim, João Gilberto, Pelé, Garrincha, Pixinguinha, Vinicius, Noël, Ary, Oscarito, Grande Otelo…
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Aos vinte e um anos ouvi pela primeira vez os estudos e prelúdios para violão do nosso índio de casaca. O Brasil que eu sentia e não sabia explicar. Comprei as partituras e estudei que nem louco. Depois veio o Concerto para Violão e Orquestra, simplesmente o máximo. No Guia Prático, estudo folclórico musical achei a maquete do gênio.
Tom Jobim reverenciou sua musica. Canta, canta mais, Saudades do Brasil, Brasilia, Sinfonia da Alvorada, são provas disso. Na corda da viola, em Stone Flower, e A maré encheu, em Autopsicografia, letra de Fernando Pessoa, prováveis são lembranças dos seus estudos do Guia Prático. Se é por falta de adeus – nnazo tenho receio de dizer que fecha com uma citação do Trenzinho do Caipira.
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Seguem quatro faixas do CD “Villa-Lobos e Carlos Gomes para Crianças” que produzi para a revista CARAS. São quatro Cirandinhas arranjadas pelo mestre para piano solo sequenciadas nos softwares Logic e Performer e executadas por um computador MacIntosh.
Carneirinho, carneirão
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O Cravo Brigou com a Rosa
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Todo Mundo Passa
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A Canoa Virou
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A imortalidade registrada pela música
“Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casas, derrubando tudo; quando parecia chegado ao fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então se percebia que era música, sempre fora música.
Assim é que eu vejo Heitor Villa-Lobos na minha saudade que está apenas começando, ao saber de sua morte, mas que não altera a visão antiga e constante. Quem o viu um dia comandando o coro de quarenta mil vozes adolescentes, no estádio do Vasco da Gama, não pode esquecê-lo nunca. Era a fúria organizando-se em ritmo, tornando-se melodia e criando a comunhão mais generosa, ardente e purificadora que seria possível conceber.
A multidão em torno vivia uma emoção brasileira e cósmica, estávamos tão unidos uns aos outros, tão participantes e ao mesmo tempo tão individualizados e ricos de nós mesmos, na plenitude de nossa capacidade sensorial, era tão belo e esmagador, que para muitos não havia outro jeito senão chorar, chorar de pura alegria. Através da cortina de lágrimas, desenhava-se a nevoenta figura do maestro, que captara a essência musical de nosso povo, índios, negros, trabalhadores do eito, caboclos, seresteiros de arrabalde; que lhe juntara ecos e rumores de rios, encostas, grutas, lavouras, jogos infantis, assovios e risadas de capetas folclóricos”.
Carlos Drummond de Andrade
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“Villa-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que chegue cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou cheio de Villa-Lobos.
Manuel Bandeira, na revista Ariel, 1924.
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Sobre a inspiração:
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P.S.:
Em 1974, convalescendo de uma terceira cirurgia corretiva na mão esquerda,
entusiasmado com a possibilidade de voltar a estudar as peças do mestre, fui ao Rio de Janeiro conhecer o Museu Villa-Lobos; quem sabe não voltava a São Paulo com um convite para um estágio na Universidade de Cascadura?
O convite não veio, mas em compensação levei um papo inesquecível com Dona Mindinha, mulher do grande Villa, a quem ele dedicou, entre outras dezenas de peças, os Cinco Prelúdios Para Violão e as Nove Bachianas Brasileiras.
Mindinha contou que numa noite em Nova York, Villa lhe convidou para assitir a um grande compositor, esse sim!, que iria se apresentar ao piano. O lugar, segundo ela era bem mixuruca, e o músico, numa pindaíba danada, era nada mais nada menos que Béla Bartók!
Coincidentemente, Villa-Lobos e Bartók tinham ouvido absoluto; compunham sem usar nenhum intrumento, ou seja, tudo na cuca.
Perguntei a ela se conhecia Antonio Carlos Jobim.
– Sim, claro tem melodias lindas, e ama a obra de Villa-Lobos. Uma ocasião esteve em casa, lá pelos anos 50, bebia bem esse moço, na hora da despedida perguntou brincando :
– Maestro, vende pra mim a ária da Bachiana Nº5?
O Villa riu e gostou.
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Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim que amava a música de Villa-Lobos, estava começando sua carreira de compositor consagrado no mundo inteiro.
Antônio Carlos Planetário de Almeida Jobim.
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Depois de um cafezinho, Mindinha foi atender alguem e eu fiquei sozinho na sala com vários pertences do nosso Villa: batutas, piteiras, lápis, borrachas, óculos, partituras e veio a tentação de roubar um lápis – com prolongador. Mindinha voltou a tempo de frustrar o assalto ao patrimônio nacional e eu confessei minha intenção.
– Edgard, que coisa feia!
– Dona Mindinha, é que esse lápis está encantado! Com ele até eu escrevo uma sinfonia!
Pois sim…
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Ganhei várias partituras e dona Arminda de Villa-Lobos, entre elas a Melodia Sentimental, e vinte e dois anos depois mostrei à Zizi Possi que gravou no CD Mais Simples.
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Tags: A maré encheu, Antonio Carlos Jobim, Autopsicografia, Brasilia, Canta, canta mais, Conservátorio Dramático Musical de São Paulo, estudo folclórico musical, Fernando Pessoa, Guia Prático, Heitor Villa-Lobos, John Lewis, Logic, Milt Jackson, Modern Jazz Quartet, Modinha, Performer, Preludio da Bachiana nº4, rádio Eldorado, Sinfonia da Alvorada, Stone Flower, The Sheriff, Tom Jobim, Tuhú
Meu prezado Edgard,
saboroso este teu “post” sobre o nosso grande Villa, e ainda realçado pelas tuas reminiscências pessoais de uma época que ficou realmente na saudade.
Todavia, meu amigo, gostaria apenas de fazer, se me permetes, uma ligeira correção. Quando escreves que a senhora tua mãe costumava tocar a transcrição para piano do Prelúdio da Bachiana nº4, devo dizer que, na verdade, a Bachianas Brasileiras N°4 foi escrita originalmente para piano (entre 1930 e 41) e é dedicada ao pianista Tomás Terán.
Só mais tarde, em 1942, é que o compositor a orquestrou. O famoso Prelúdio (no qual o nosso grande Baden Powell se inspirou para compor o seu “Samba em Prelúdio”) foi instrumentado somente para cordas e, segundo a edição, comporta ou não o “ritornello” original do compositor.
Para concluir, devo mais uma vez te parabenizar pelo teu tão simpático blogue e, aproveitando o ensejo da época (se bem que um pouquinho prematuro), desejar-te Boas Festas e um Ano Novo pleno de boas realizações.
Um grande abraço,
Maurício Casiraghi
Caro Maurício
Obrigado pela agradável visita. O Prelúdio realmente foi escrito antes – tenho a partitura dedicada a Tomás Teran – mas, naquele tempo eu somente ouvia e não lia música e o que ficou na memória foi a belíssima melodia até que, muitos anos depois ouvi maravilhado a versão para cordas, acho que com o próprio Villa regendo a orquestra da RTF (Orchestre National de la Radiodiffusion Française) – faz tempo Maurício – e a peça para piano ficou na minha cabeça como uma redução.
Quanto ao Samba em Prelúdio existe outra suspeita – voce conhece a história da madrugada em que eles compuseram essa jóia?
É muito divulgada: Vinicius cismou que a música era plágio de Chopin, Baden disse que não e pra tirar a dúvida acordaram a mulher de Vinicius que sabia tudo do genio polones; Lucinha ouviu e
garantiu que não era plágio, ao que Vinicius, de pé queimado, como ele gostava de dizer, respondeu:- Então Chopin esqueceu de fazer!
Presumo que Vinicius estava se referindo ao Preludio Op. 28 em Mi menor cuja harmonia inicial dá pano pra saborosas mangas da nossa musica popular: Apêlo, do próprio Baden com Vinicius, O Grande Amor e Insensatez , de Tom e Vinicius, Pra Dizer Adeus, Edú Lobo e Torquato Neto e etc… E idéia da harmonia andando enquanto a melodia para, matriz da introdução de Night and day de Cole Porter e Samba de uma Nota Só, de Tom e Newton Mendonça. E porque não do Prelúdio da Bachiana nº 4?
O Villa devia gostar muito de Chopin – vide, ou melhor ouça Hommage à Chopin, W474 – que aliás, para mim, foi o compositor erudito que mais influenciou a musica popular brasileira, Nazareth é a maior prova disso.
Enfim, caro Maurício, são hipotenusas mentais, como diria o grande Cyro Monteiro, meras suposições de um admirador da arte de todos esses genios.
Fica aqui um abraço e voto de um Feliz Natal
do
Edgard
Além da sua genialidade incontestável, no pouco lapso de tempo em que foi ministro da educação (ou da cultura?), ele conseguiu que o ensino da música passasse a ser obrigatório em todas as escolas do país. A lamentar que os “gênios” que o sucederam acabaram removendo essa obrigatoriedade do currículo escolar. Estive em Cuba em 2015. Tendências política à parte, nesse pequeno e pobre país, com uma população menor que a da cidade de São Paulo, o ensino da música nas escolas obrigatório. O resultado é uma profusão de músicos de boa qualidade. Um exemplo que poderia ser seguido…abraços meu amigo.
Abraço, meu amigo.