Publicado na coluna Ponto de Vista, no jornal O Estado de São Paulo
João Ubaldo Ribeiro
Como sabem nossos amigos comuns e algumas perplexas testemunhas eventuais, Tom Jobim e eu partilhávamos da condição de biólogos amadores, eu mais afeito aos reinos protista e monera (protozoários, preferivelmente; não acho tanta graça em bactéria que, alem de tudo, dá muito trabalho para espiar) e à classe dos mamíferos, ele bastante especializado em ictiologia e, principalmente, ornitologia.Tínhamos discussões acirradíssimas e, quando era ave, ele sempre ganhava. Ganhei em alguns peixes e ganhava quase sempre nos mamíferos, constando até hoje nos anais da Plataforma minha célebre palestra sobre reprodução entre felinos (Felis Cattus domesticus), que, infelizmente o horário não me permite transcrever. Ficávamos, portanto, mais ou menos pau a pau, a não ser nas aves, em que ele era imbatível.
Embora o forte dele mesmo fosse urubu, entendia bastante de galinha. Não deixava de comer galinha de vez em quando (foi ele que inventou a expressão “frango atropelado” para designar aquele frango inteiro achatado), mas era, como também eu, um severo critico das injustiças cometidas contra essa ave que, se desaparecesse de repente, poria em perigo a sobrevivência da humanidade, a começar pela sua fama de promíscua.(E conseqüentes observações cafajestas, como “aqui tem mulher que não pode tomar banho quente, senão vira canja”.)Promíscuo é o galo, que só trabalha em regime de harém exclusivo, violenta as galinhas a torto e a direito e tenta matar o galo que quer se meter em seu terreiro.(Apesar disso, devido a sua proverbial rapidez de execução, chamar o sujeito de “galo” também não deixa de ser depreciativo).
Tom me contou que nos Estados Unidos, são uns 7 bilhões de frangos por ano. Você pode pensar que imagina o que são 7 bilhões de frangos, mas não imagina. Os Oswalds de Souzas entre vocês provavelmente verificarão que, para contar esses frangos um a um, sem fazer mais nada, o sujeito levaria uns 200 anos. A vida autorizada desses frangos, confinados, debicados (tiram as pontas dos bicos deles, porque muitos ficam malucam e bicam a si e aos outros) é de 7 a 8 semanas. Ninguém quer perder tempo com frango, cada dia eles atingem mais rapidamente o peso ideal, de cerca de 2 quilos e meio.
E os ovos? São calculadamente 600 bilhões de ovos, no mundo todo. Ninguém tão pouco pode imaginar o que são 600 bilhões de ovos e a falta que iam fazer. As poedeiras vivem um pouquinho mais do que os frangos de corte, porque, para sorte delas, só começam a botar ovos (ou colocar ovos, como tenho lido várias vezes na imprensa patrícia) depois de 5 a 6 meses, situação intolerável, que a indústria pesquisa para superar. As poedeiras trabalham fulltime, porque mantém o ambiente delas permanentemente iluminado. É uma espécie de fábrica. Elas ficam engaioladas, geralmente quatro a quatro, comendo umas bolotas de ração balanceada e alguns antibióticos, e botando ovos, que descem por uma espécie de rampa até uma esteira rolante, para serem lavados, classificados, embalados, etc. Tom disse que as americanas são excelentes poedeiras, mas a campeã é uma raça francesa pequenininha (pequenininha, sim, mas com um subilatório destamanho), cujo nome agora esqueci. E, sim, depois que não botam mais ovos, como antigamente, são substituídos pela nova geração e transformadas em sopa, caldos e cubinhos.
Tom ficava revoltado com as indignidades a galinha é submetida. “Estão negando a ela até a condição de bicho”, me disse ele. “Deve ser porque, não sendo animal, não terá direito a ser defendida pelas associações protetoras de animais, que lá são muito chatas e ficam pegando no pé deles. Você imagine que eu li num papel do Departamento de Agricultura americano a seguinte definição de galinha: ‘A galinha é um sistema destinado à conversão de proteína vegetal em proteína animal’ . Pronto, não é mais bicho, é um sistema de conversão de proteína”.
E houve o triste caso da galinha de Kentucky. Não tenho certeza de que foi mesmo no Kentucky, que nem é produtor significativo de galinhas, mas Tom também não se lembrava direito, de maneira que ficou sendo Kentucky (não tem quem não goste de dizer Kentucky, de vez em quando; é quase tão bom quanto Wyoming – tanto Tom quanto eu preferíamos Wyoming, mas também gostávamos de falar Kentucky] Foi uma pesquisa do Departamento de Agricultura americano, que, pelo visto, está para as galinhas assim como Torquemada para os ímpios.
É o seguinte, explicou Tom. Cerca de 30% da proteína consumida pela galinha vai para fazer as penas. Penas ér proteína. Um desperdício, porque a comercialização da pena – perdoe-me o caro amigo – não vale a pena. Assim, 30% da proteína vegetal destinada a ser transformada em carne são desperdiçados. Para que galinha quer pena, afinal? – raciocinaram os técnicos. Mera questão de vaidade, vamos acabar com isso. E, de fato, acabaram. Mexeram para lá, mexeram para cá e terminaram por produzir uma infeliz raça de galinhas sem penas, só umas besteirinhas aqui e ali. Mas se deram mal. O consumidor rejeitou-a porque ficou com nojo da falta daqueles porozinhos das penas e, alem de tudo, ela era friorenta e requeria muitas despesas com aquecimento. Não sei o que foi feito da nova raça, suponho que sopa mesmo.
Mas o mundo não está perdido só para as galinhas. Outro bicho sem o qual também teríamos dificuldades e que também é xingamento está igualmente virando um sistema. Me mandaram uma reportagem velha do Wall Street Journal, que mostra como os porcos agora nem mais porcaria podem fazer, porque são produzidos e engordados em fábricas de porcos, onde só se entra depois de se tomar banho e de se envergar um traje especial esterilizado, inclusive a roupa de baixo. Sexo porcal, nem pensar.O reprodutor cobre uma porca artificial, em que se aplicaram os feromônios produzidos pela porca verdadeira no cio. As porcas são então inseminadas artificialmente:cerca de 500 por dia numa fábrica, mantidas em “cabines” de metal onde não podem nem virar-se. Fazem teste de ultra- som, com a obrigação de parir 10 a 11 bacorinhos.Depois de exatamente 115 dias de gestação, elas parem os bacorinhos, que são tatuados na orelha, tem os caninos amputados e os rabos cortados e os machos são castrados. Depois ela passa mais uns seis meses engordando na cabine e ai cai na faca.
Perguntarão vocês não sem razão, por que cargas d’água fico eu defendendo galinhas e porcos, em vez de me ocupar de coisas mais relevantes. Que coisas mais relevantes? Haverá coisas mais relevantes, mas vocês sabem muito bem quais são elas e todas elas nos deixam de mau humor ou com medo do futuro. Assim, é melhor conversar sobre galinhas e porcos, aposto como sua cultura suíno-galinácea melhorou muito. E, além disso amenizamos um pouco, ainda que muito palidamente, a saudade de um papo com o Tom.
Nunca fui íntimo de Tom. Nem ele era. Em nossos encontros, só pude recolher uns fragmentos que iam caindo do seu mistério e não cheguei a compor nenhuma clareza.
Só tive uma sensação de entendimento quando o vi no centro do Jardim Botânico, a cabeça encostada às flores do caixão. Seu rosto em paz parecia uma pequena serra coberta de flores; havia algo de mineral, de alguém voltando ao chão inicial, e aí percebi confusamente todo um processo detido no ar. E vi que nenhum mistério profundo ele nos revelaria.
Uma vez ele me falou, a propósito de sua infância mais funda, que alguma coisa tinha acontecido lá no “cubo de trevas” do passado. Esta expressão nunca me esqueceu (revisor, este é um uso castiço do verbo), e vejo que Tom viveu “fora” de alguma coisa, fora da vida normal, que ele ficou ao lado dos atobás caindo no mar e teve de se “ver” vivendo entre os discursos dos homens.
Não me interessa louvar o Tom, nem competir em literatura com a torrente de homenagens. Tom me interessa como uma máquina viva que ficou a meio-corpo fora da natureza, intermediário entre ela e nós. A mais alta função estética e ecológica, o artista purificando as águas.
Mas este “cubo de treva”, onde começou esta genial “anomalia”, podia ser sentido sempre no convívio com Tom, nos fragmentos das conversas. Tom falava por parábolas, no som das palavras, mais do que no sentido delas. Nunca estava onde queríamos.
Ele me anunciou a sua “causa mortis” há uns quinze anos, na beira da praia: “O médico me ameaçou de morte!”, me disse ele, tentando fazer um cooper canhestro, dentro de um abrigo Adidas. “‘Inadequate perfusion’, o médico falou, do meu coração!”
Ali estava um prenúncio da doença, mas ele se amarrava no som da expressão: “Iná-dequate”, repetia ele num inglês perfeito. “Perfusão inadequada”, aquela frase científica determinando seu destino lhe fazia rir. Só gostava dos significantes.
“I want the giant crab of the Alaska” (eu quero o caranguejo gigante do Alaska), pedia ele ao garçon do restaurante que havia na rua 58 em NY, “The Seafarer of the Aegean Sea” (O Marinheiro do Mar Egeu). Ele só ia ali por causa do nome remoto e homérico da casa. Repetia para mim: “The seafarer”… e “aegean” soava como um vento agudo e víamos o mar grego ali, azul, falésias. E o grande caranguejo do Alaska o contemplava e ele ao caranguejo e havia mais que um almoço ali. Nada era óbvio, corriqueiro. Os “jumbo shrimps” (“veja os camarões-gigantes!”) também o olhavam como a um colega, as lagostas ouviam, nadando no aquário. Só gostava dessas bobagens, que lhe ajudavam a evitar conversas óbvias e cheias de “sentido”.
“April is the cruellest of months, mixingg memory with desire…”, citou Eliott durante meses, que ele nunca teve o saco de ler com método e vagar.
Pegava o essencial, o melhor verso, e revirava-o até a exaustão ali, entre picanhas e chopes, e a metáfora ia definhando e virando um slogan de churrascaria e, aos poucos, a churrascaria em volta ficava profunda. Não seria esta a função da poesia? Aprofundar churrascarias?
Um dia, veio com o papo de que “Hollywood” era traduzível por “azevedo”. “Por quê?”, me perguntou. Por uma intuição fulminante, adivinhei (deve ter sido a faísca de minha ferradura): “Hully” é “azevinho” (planta rasteira) e “wood” (bosque) funciona como o sufixo “edo” em português para coletivos, que dá “vinhedo”, “arvoredo” etc. Ou seja: Hollywood é “bosque de azevinhos” ou “azevedo” (Caetano cita numa música). Por uns momentos, Tom me olhou com respeito e, a partir daí, começou um jogo, um metadiálogo que durou até semana passada.
Fazíamos um concurso eterno de palavras em inglês. Nos comunicávamos pelas bordas do “cubo de treva”. Eu ganhava dele em palavras arcaicas ou mais literárias, ele me dava banhos com legumes, peixes e passarinhos. Eu pescava minhas lembranças shakespereanas e lançava na mesa para pasmo dos garçons: “Que é ‘woe’?” Ele não sabia e eu triunfava: “É ‘aflição’, ‘lamento’… ahhh, ganhei!”
Aí ele replicava: “Tudo bem, e como é ‘chuchu’?” E eu não sabia. “Como é ‘berinjela’?” Eu não sabia. “‘Egg-plant”, é a planta ovo, o ovo roxo, ovo vegetal!”, ria o Tom, com seu rosnado doce, tomando chope. E assim, entre legumes, robalos e picapaus, íamos tecendo uma amizade oblíqua, sem nunca ter havido confissões.
Ele não aguentava caretice e cotidianos. Um dia, em Nova York, estávamos conversando com uns brasileiros que o admiravam, quando ele foi tomado de grande palidez e angústia, gaguejou uma desculpa e se enfiou no Central Park como que fugindo para a floresta. Cubo de treva.
Toda a viagem longa e solitária desde o “cubo de trevas” terminava ali e seu perfil no caixão parecia uma serra entre flores (mais tarde, no avião, vi por instantes seu perfil se encaixar lá embaixo nos morros do Rio). Tom voltava à natureza, de onde nos defendia contra os adjetivos.
Trecho extraído, da página 97, do livro Tons sobre Tom de Márcia Cezimbra, Tessy Callado e Tarik de Souza Editora Revan.
Soube dessa história em 1981, numa entrevista de Caetano Veloso para Roberto D’Avila, no Canal Livre da TV Bandeirantes. O programa reuniu, na bancada de entrevistadores, Tom Jobim, Chico Anísio, Nara Leão, Susana de Moraes, Eduardo Mascarenhas, Marina, Antonio Cícero, Miriam Paglia Costa, Flávio Pinto Lira e Luiz Carlos Maciel.
Assista a um trecho, infelizmente muito pequeno, da entrevista.
Diante dessa perda inestimável para a MPB, deixo aqui a sugestão para o nosso grande Caetano, letrar a melodia de Diálogo, fazendo uma parceria maisquedemais com Antonio Carlos Jobim; e mais: gravada em dueto com Gal Costa.
Diálogo é uma das faixas LP Wave, de 1967, disco maravilha.
Esta composição, datada de outubro 1986, a partir desta postagem, passa a ser dedicada a nossos irmãos Eric Garner e George Floyd. Que ela possa contribuir com mais amor à nossa humanidade, como um sopro do ar que lhes foi brutalmente negado.
Rascunho, por Edgard Poças, para a gravadora CBS. LP Jairzinho e Simony
Adivinha
Tem na terra e tem no mar
Tem no tempo, tem no vento
Tenta adivinhar
Tem na luz, tem no som, no céu, no ar
Tem que ter e não pode faltar
Adivinha
Tem nas flores e no luar
Tem nos bichos, tem nas cores
Tenta adivinhar
Tem na voz, nas canções
Todo lugar tem que ter, e não pode faltar
Um coração, quando tem
Tanto faz ele é branco, ele é preto
Vive em paz
Um coração que não tem
Tanto faz se ele é branco, ou se ele é preto
Nem é mais um coração
Adivinha
Tá na cara e no olhar
Tem no riso, e um sorriso pode revelar
É assim, faz sorrir e faz chorar, mas
Tem que ter, e não pode faltar
Um coração, quando tem
Tanto faz ele é branco, ele é preto
Vive em paz
Um coração que não tem
Tanto faz ele é branco, ele é preto
Nem é mais um coração
Adivinha
Tem na terra e tem no mar
Tem no tempo, tem no vento
Tenta adivinhar
Tem na luz, tem no som, no céu, no ar
Tem que ter e não pode faltar
Adivinha
Tem nas flores e no luar
Tem nos bichos, tem nas cores
Tenta adivinhar
Tem na voz, nas canções
Todo lugar tem que ter, e não pode faltar
Um coração, quando tem
Tanto faz ele é branco, ele é preto
Vive em paz
Um coração que não tem
Tanto faz se ele é branco, ou se ele é preto
Nem é mais um coração
Adivinha
Tá na cara e no olhar
Tem no riso, e um sorriso pode revelar
É assim, faz sorrir e faz chorar, mas
Tem que ter, e não pode faltar
Um coração, quando tem
Tanto faz ele é branco, ele é preto
Vive em paz
Um coração que não tem
Tanto faz ele é branco, ele é preto
Nem é mais um coração
Adivina! Jairzinho & Simony e José Luiz Perales.
Esta composición, fechada en octubre de 1986, de este post, está dedicada a nuestros hermanos Eric Garner y George Floyd. Que ella contribuya con más amor a nuestra humanidad, como un soplo de aire que ha sido brutalmente negado.
Adivina esta en la tierra y en el mar En el tiempo, en el viento intenta adivinar En el sol, en su luz lo encontraras Siempre esta y no puede faltar
Adivina esta en las flores, en el cantar En los rios, en la luna intenta adivinar En la voz, la oracion lo encontraras Siempre esta y no puede faltar
Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor
Adivina esta en la cara y en tu mirar En la risa y es sonrisa para alegrar Y tambien sin querer hace llorar Mas siempre esta y no puede faltar
Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar
Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor
Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar Es el amor que en la vida nos da La razon para vivir y soñar
Guess What
This composition dated October 1986, and, starting with this post, is dedicated to our brothers Eric Garner and George Floyd. May she contribute with more love to our humanity, like a breath of air that has been brutally denied.
Guess what
There's on land and there's at sea
There's time, there's wind
Try to guess
There's in the light, there's in the sound, in the sky,
in the air
Must have and can not miss
Guess what
It has flowers and moonlight
There are animals, there are colors
Try to guess
There's in the voice, in the songs
Every place has to have, and can not miss
A heart, when it has
Whatever he is white, he is black
Live in peace
A heart that doesn't have
It doesn't matter if he is white, or if he is black
It's not even a heart anymore
Guess what
'It's in the face and in the eyes
There's laughter, and a smile can reveal
It's like that, it makes you smile and makes you cry, but
Must have, and must not be missing
A heart, when it has
Whatever he is white, he is black
Live in peace
A heart that doesn't have
Whatever he is white, he is black
It's not even a heart anymore
Ludwig van Beethoven (Bonn, batizado em 17 de dezembro de 1770 – Viena, 26 de março de 1827 .
“O resumo de sua obra é a liberdade, a liberdade política, a liberdade artística do indivíduo, sua liberdade de escolha, de credo e a liberdade individual em todos os aspectos da vida”observou o crítico alemão Paul Bekker.
Beethoven foi o primeiro grande compositor que escreveu música para si, livre, sem estar vinculado a um príncipe ou a um nobre.
Grupo Pau Brasil comemora 40 anos com o álbum infantil
Cantos da Natureza, lançado pelo Selo Sesc
Letras de Edgard Poças musicadas por
Rodolfo Stroeter e Nelson Ayres, arranjadas e executadas pelos músicos do Pau
Brasil evidenciam as riquezas e belezas da nossa natureza; entre os intérpretes,
tem as cantoras Ceu, Marlui Miranda, o cantor Edgard Gianullo e o Trio Amaranto;
álbum chega primeiro no Sesc Digital
no dia 7 de outubro, e nos demais players de streaming no feriado de 12
de outubro, Dia das Crianças
Trata-se de um
projeto educacional e didático que visa apresentar à criança as belezas,
emoções e riquezas naturais, com o adulto na leitura das canções. Um disco a ser
utilizado até mesmo nas salas de aula.
São 19 faixas que descrevem de forma muito criativa e divertida os quatro elementos da natureza – a água, o fogo, a terra e o ar –, a chuva, a nuvem branquinha, o céu cinzento, o arco-íris, o relâmpago e o trovão. Do mundo animal, um estranho mamífero que bota ovo e que tem um ferrão venenoso, mas é bonzinho. Estamos falando do ornitorrinco, um bicho que pouca gente conhece.
Todas as
letras são do compositor, escritor e pesquisador Edgard Poças – criador da
Turma do Balão Mágico. Entre os intérpretes, destaque para as cantoras Céu,
Marlui Miranda, que já fez parte do Pau Brasil, e Maria Clara Novaes, e os
cantores Edgard Gianullo, Renato Braz, Sérgio Santos e Diogo Poças, além do
próprio Edgard que canta em duas faixas. Participam também o coral infantil Trovadores
Mirins, sob regência da maestrina Lucila Novaes e o Trio Amaranto, de Belo
Horizonte, formado pelas irmãs Ferraz, Flávia, Lúcia e Marina.
Cantos da
Natureza chega em 2020,
mas a sementinha do projeto começou a ser semeada ainda no início dos 1970. A
história passa por Rodolfo Stroeter quando, ainda adolescente, aos 14 anos de
idade, foi estudar música com Edgard Poças que desembargava em São Paulo, vindo
de Portugal, após uma curta temporada no país europeu. E foram nas aulas de
iniciação musical que Poças estimulou Stroeter a conhecer também o universo da
literatura. A relação do letrista e compositor com o que viria a ser tornar o
contrabaixista do Pau Brasil se estabelece a partir daí.
Passadas
algumas décadas, Rodolfo Stroeter produzir um disco de música infantil do Trio
Amaranto – que também são a gênese deste projeto do Pau Brasil –, e cujo
repertório incluiu a Suíte 4 Elementos e O Ornitorrinco, também presentes
neste álbum do quinteto paulista. A partir daí, Edgard e Rodolfo intensificaram
o trabalho em conjunto com o objetivo de ampliar o repertório de canções. Desta
vez, pensado para o grupo Pau Brasil.
“Cantos da
Natureza é a celebração de um projeto infantil dentro de um contexto de um
grupo de música. É a música cuidada, tratada, arranjada, executada e
improvisada, ou não, por um conjunto musical que tem distinção sonora. Depois
de 40 anos, o grupo Pau Brasil se tornou um som”, destaca Rodolfo Stroeter.
Das 19
músicas, vale alguns destaques começando pela Abertura Suíte 4 Elementos,
onde Edgard Poças transforma em personagens os quatro principais elementos da
natureza: a água, o fogo, a terra e o ar. Uma composição com enredo de musical infantil.
Segundo o letrista, é a primeira vez que a música infantil se apropria da ideia
de Suíte – que é reunir em uma única obra várias peças musicais.
Apresentações
feitas, cada um dos elementos naturais chega na sequência com a sua própria
canção. Na ordem, Água traz uma singela descrição desta substância
química cujas moléculas são formadas por dois átomos de hidrogênio e um de
oxigênio. Abundante no universo, em especial no planeta Terra, onde cobre
grande parte de sua superfície com rios, lagos e mares.
Fonte de
energia e risco às florestas, a música Fogo expõe as diferentes formas encontradas
desta mistura de gases a altas temperaturas. Das fogueiras à lava dos vulcões,
das lareiras e até mesmo à língua dos dragões. Interpretada pela cantora Marlui
Miranda na companhia do Trio Amaranto, Terra lembra que vivemos no planeta
que é a casa do mundo e que se trata do elemento natural que precisa dos outros
três – o fogo, a água e o ar. Por fim, a mistura de gases que compõem a
atmosfera da Terra. Em Ar, a letra de Edgard Poças destaca que todo
mundo precisa e quer um ar puro e é por isso que dizemos: chega de poluição!
Edgard Poças
relaciona todos esses aspectos da natureza para trazer um mundo melhor às
crianças. A nossa natureza que é linda, viva, colorida e movimentada, é também
lembrada através das flores, das estrelas, do som, do mar e até dos peixes que
não são peixes.
A nuvem
branquinha, o céu cinzento, o relâmpago e o trovão, a chuva e o arco-íris
aparecem em forma de canções na Suíte da Chuva. Em Adivinha, Quem Sou Eu?,
está o som e a sua propagação em suas múltiplas formas, presente em todos os
lugares e todos os cantos. A letra de Chuva começa com uma nuvem que
parece um carneirinho e, de repente, se transforma em um leão.
Com letra e interpretação de Edgard Poças, a cantiga de ninar Soneca é a composição do disco para os adultos embalarem os bebês no sono. A letra é um convite a contar, um a um, a passagem dos Sete Anões. Do sabido Mestre ao carinha amoroso que é o Feliz, sem se esquecer do engraçado do Dunga, do mal-humorado do Zangado, do faceiro e manhoso do Dengoso e do Atchim. E cadê o Soneca na terra dos sonhos?
Dezessete de novembro, dia em que o Indio de Casaca se despediu da tribo e deixou um Amazonas de musica para a humanidade.
O menino Tuhú sabia que a pipa ia voar alto.
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Diogo, meu pai, chegou a noitinha com o extinto jornal A Gazeta e a triste manchete – Morreu Heitor Villa-Lobos! Eu tinha 13 anos em 1959 e conhecia o Prelúdio, da Bachiana nº4 , que minha mãe Antonietta tocava a transcrição para piano.
Por volta de 1964 havia um programa na rádio Eldorado de São Paulo cujo prefixo era uma música maravilhosa. Sabia que os intérpretes eram o Modern Jazz Quartet, pelo solo de vibrafone de Milt Jackson e o piano de John Lewis, mas e o compositor? Resolvi a questão na Eletroarte, antiga loja de discos na rua Augusta – onde eu costumava esconder os discos de bossa nova, jazz, etc… atrás daqueles que eu imaginava pelos meus favoritos – com a ajuda do Toninho que sabia do meu truque e tambem me apresentava os ultimos lançamentos: era a ária da Bachiana nº 5, de Heitor Villa-Lobos, do LP The Sheriff . Gastei o disco. Villa-Lobos eentrou para sempre na minha seleção brasileira ao lado de Tom Jobim, João Gilberto, Pelé, Garrincha, Pixinguinha, Vinicius, Noël, Ary, Oscarito, Grande Otelo…
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Aos vinte e um anos ouvi pela primeira vez os estudos e prelúdios para violão do nosso índio de casaca. O Brasil que eu sentia e não sabia explicar. Comprei as partituras e estudei que nem louco. Depois veio o Concerto para Violão eOrquestra, simplesmente o máximo. No Guia Prático, estudo folclórico musical achei a maquete do gênio.
Tom Jobim reverenciou sua musica. Canta, canta mais, Saudades do Brasil, Brasilia, Sinfonia da Alvorada, são provas disso. Na corda da viola, em Stone Flower, e A maré encheu, em Autopsicografia, letra de Fernando Pessoa, prováveis são lembranças dos seus estudos do Guia Prático. Se é por falta de adeus – nnazo tenho receio de dizer que fecha com uma citação do Trenzinho do Caipira.
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Seguem quatro faixas do CD “Villa-Lobos e Carlos Gomes para Crianças” que produzi para a revista CARAS. São quatro Cirandinhas arranjadas pelo mestre para piano solo sequenciadas nos softwares Logic e Performer e executadas por um computador MacIntosh.
Carneirinho, carneirão
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O Cravo Brigou com a Rosa
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Todo Mundo Passa
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A Canoa Virou
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A imortalidade registrada pela música
“Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casas, derrubando tudo; quando parecia chegado ao fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então se percebia que era música, sempre fora música.
Assim é que eu vejo Heitor Villa-Lobos na minha saudade que está apenas começando, ao saber de sua morte, mas que não altera a visão antiga e constante. Quem o viu um dia comandando o coro de quarenta mil vozes adolescentes, no estádio do Vasco da Gama, não pode esquecê-lo nunca. Era a fúria organizando-se em ritmo, tornando-se melodia e criando a comunhão mais generosa, ardente e purificadora que seria possível conceber.
A multidão em torno vivia uma emoção brasileira e cósmica, estávamos tão unidos uns aos outros, tão participantes e ao mesmo tempo tão individualizados e ricos de nós mesmos, na plenitude de nossa capacidade sensorial, era tão belo e esmagador, que para muitos não havia outro jeito senão chorar, chorar de pura alegria. Através da cortina de lágrimas, desenhava-se a nevoenta figura do maestro, que captara a essência musical de nosso povo, índios, negros, trabalhadores do eito, caboclos, seresteiros de arrabalde; que lhe juntara ecos e rumores de rios, encostas, grutas, lavouras, jogos infantis, assovios e risadas de capetas folclóricos”.
Carlos Drummond de Andrade
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“Villa-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que chegue cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou cheio de Villa-Lobos.
Manuel Bandeira, na revista Ariel, 1924.
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Sobre a inspiração:
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Viva Villa-Lobos!
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P.S.:
Em 1974, convalescendo de uma terceira cirurgia corretiva na mão esquerda,
entusiasmado com a possibilidade de voltar a estudar as peças do mestre, fui ao Rio de Janeiro conhecer o Museu Villa-Lobos; quem sabe não voltava a São Paulo com um convite para um estágio na Universidade de Cascadura?
O convite não veio, mas em compensação levei um papo inesquecível com Dona Mindinha, mulher do grande Villa, a quem ele dedicou, entre outras dezenas de peças, os Cinco Prelúdios Para Violão e as Nove Bachianas Brasileiras.
Mindinha contou que numa noite em Nova York, Villa lhe convidou para assitir a um grande compositor, esse sim!, que iria se apresentar ao piano. O lugar, segundo ela era bem mixuruca, e o músico, numa pindaíba danada, era nada mais nada menos que Béla Bartók!
Coincidentemente, Villa-Lobos e Bartók tinham ouvido absoluto; compunham sem usar nenhum intrumento, ou seja, tudo na cuca.
Perguntei a ela se conhecia Antonio Carlos Jobim.
– Sim, claro tem melodias lindas, e ama a obra de Villa-Lobos. Uma ocasião esteve em casa, lá pelos anos 50, bebia bem esse moço, na hora da despedida perguntou brincando :
– Maestro, vende pra mim a ária da Bachiana Nº5?
O Villa riu e gostou.
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Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim que amava a música de Villa-Lobos, estava começando sua carreira de compositor consagrado no mundo inteiro.
Antônio Carlos Planetário de Almeida Jobim.
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Depois de um cafezinho, Mindinha foi atender alguem e eu fiquei sozinho na sala com vários pertences do nosso Villa: batutas, piteiras, lápis, borrachas, óculos, partituras e veio a tentação de roubar um lápis – com prolongador. Mindinha voltou a tempo de frustrar o assalto ao patrimônio nacional e eu confessei minha intenção.
– Edgard, que coisa feia!
– Dona Mindinha, é que esse lápis está encantado! Com ele até eu escrevo uma sinfonia!
Pois sim…
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Ganhei várias partituras e dona Arminda de Villa-Lobos, entre elas a Melodia Sentimental, e vinte e dois anos depois mostrei à Zizi Possi que gravou no CD Mais Simples.
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Clique para ampliar
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Assista trechos do meu depoimento para o documentário Villa-Lobos